A reforma tributária no Brasil trará mudanças estruturais que estão redesenhando o ambiente de negócios. A substituição de tributos sobre o consumo como PIS, Cofins, ICMS e ISS por novos impostos, como a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), criou um cenário de transição que exige cautela jurídica e planejamento financeiro.
Embora os objetivos da reforma sejam simplificar o sistema e promover neutralidade, seu impacto imediato sobre contratos antigos é inevitável. Muitos contratos de longo prazo, especialmente nos setores de infraestrutura, construção civil, energia, telecomunicações e serviços, foram firmados com base em regras tributárias anteriores.
Com a alteração da base de cálculo, das alíquotas e até da forma de incidência, surge uma preocupação central: como preservar o equilíbrio econômico-financeiro dessas relações?
O princípio da segurança jurídica e o respeito ao equilíbrio contratual são pilares do direito civil brasileiro. Contudo, quando a mudança ocorre por imposição legal, como é o caso de uma reforma tributária, as partes precisam reavaliar a equação financeira original para evitar desequilíbrios que possam gerar litígios ou inviabilizar a execução contratual.
A teoria do equilíbrio econômico-financeiro e sua função protetiva
O conceito de equilíbrio econômico-financeiro decorre diretamente do princípio da boa-fé objetiva e da função social do contrato. Ele garante que as condições pactuadas inicialmente permaneçam justas e proporcionais durante toda a execução. No caso dos contratos, esse princípio tem fundamento explícito na Constituição Federal e no Código Civil aplica-se o artigo 317, que permite a revisão judicial quando acontecimentos extraordinários e imprevisíveis alteram a base econômica do negócio.
A reforma tributária, por sua natureza abrangente e imprevisível, pode ser enquadrada como um evento de onerosidade excessiva superveniente, especialmente quando provoca aumento significativo na carga tributária ou altera a forma de cálculo dos tributos incidentes sobre o preço contratado. Nesses casos, cabe avaliar se houve quebra da equação financeira, ou seja, se o equilíbrio entre obrigações e contraprestações foi comprometido.
Em termos práticos, o desafio está em identificar quando a mudança tributária impacta o contrato a ponto de exigir revisão. Um aumento isolado de alíquota pode ser absorvido, mas a alteração de regimes como a migração de cumulatividade para não cumulatividade ou o fim de créditos presumidos pode afetar diretamente o custo das operações e distorcer o valor líquido das receitas projetadas.
O papel da reforma tributária na redistribuição dos ônus contratuais
A reforma em curso propõe uma unificação de tributos e a criação de um sistema de crédito financeiro amplo, que permitirá a compensação de créditos em toda a cadeia de produção. Isso tende a reduzir a cumulatividade, mas também impõe novas obrigações acessórias e uma transição complexa, com efeitos diferentes para cada setor.
Empresas prestadoras de serviços, por exemplo, podem ser mais afetadas, já que as novas alíquotas da CBS e do IBS tendem a ser superiores às atuais do PIS e da Cofins.
Já segmentos industriais e exportadores podem se beneficiar de maior neutralidade e de créditos mais amplos. Esse desequilíbrio setorial reflete diretamente nos contratos, pois a margem de lucro e os preços finais foram fixados considerando um regime tributário anterior.
Nos contratos de fornecimento contínuo, a modificação da carga tributária pode alterar o custo da prestação e desequilibrar a relação entre o fornecedor e o contratante. No caso dos contratos públicos, a Administração tem o dever de reequilibrar financeiramente a avença, restabelecendo as condições originais. Já nos contratos privados, a recomposição depende de negociação entre as partes ou, em último caso, de ação judicial revisional.
É importante destacar que, de acordo com a jurisprudência consolidada, a mera alteração legislativa não implica, por si só, direito automático à revisão contratual. É necessário demonstrar o impacto econômico efetivo, quantificando a variação de custos e a quebra da equivalência entre obrigações. Portanto, o caminho jurídico deve ser técnico e documentado, amparado em relatórios contábeis e pareceres especializados.
Prevenção e adaptação: cláusulas de salvaguarda e governança contratual
Diante das incertezas que a transição tributária traz, as empresas devem adotar estratégias preventivas para preservar o equilíbrio econômico-financeiro. Uma das medidas mais eficazes é incluir ou revisar cláusulas de reajuste e revisão nos contratos, prevendo expressamente hipóteses de alteração tributária.
Essas cláusulas, conhecidas como cláusulas de tax change, funcionam como salvaguardas, permitindo reequilíbrio automático ou renegociação em caso de mudanças na legislação fiscal. Embora mais comuns em contratos internacionais, vêm ganhando espaço no direito brasileiro diante das recentes reformas e oscilações normativas.
Além disso, a gestão de riscos contratuais precisa ser integrada à governança tributária da empresa. Isso significa que o jurídico, o financeiro e o fiscal devem atuar de forma coordenada para mapear contratos sensíveis, projetar impactos e documentar todas as comunicações e cálculos. Um dossiê bem elaborado pode ser decisivo em eventual discussão judicial ou arbitral.
Empresas com contratos de longo prazo, como concessões, parcerias público-privadas (PPPs) e contratos de fornecimento industrial, devem realizar auditorias contratuais preventivas, revisando cláusulas de reajuste, índices de correção e parâmetros de custos. Essa análise permite antecipar distorções e propor ajustes amigáveis antes que o desequilíbrio se consolide.
O equilíbrio como fator de sustentabilidade empresarial
A reforma tributária inaugura um novo ciclo no ambiente empresarial brasileiro. Mais do que uma mudança de alíquotas, ela redefine a lógica de formação de preços, margens e responsabilidades fiscais. Para contratos antigos, isso representa um teste de maturidade jurídica e econômica.
Preservar o equilíbrio econômico-financeiro não é apenas uma exigência legal, mas uma condição para a sustentabilidade das relações de longo prazo. Empresas que se anteciparem aos efeitos da reforma, revisando contratos, ajustando cláusulas e adotando uma postura colaborativa estarão melhor preparadas para enfrentar o período de transição.
No fim, o grande desafio não é apenas adaptar os contratos à nova tributação, mas construir uma cultura de gestão contratual dinâmica e preventiva, em que as mudanças legais sejam tratadas com planejamento, técnica e diálogo.
A reforma tributária pode ser vista, portanto, não como um risco isolado, mas como uma oportunidade de aperfeiçoar processos, fortalecer a governança e consolidar relações contratuais mais equilibradas, transparentes e sustentáveis.