Assunto recorrente no meio empresarial, e que, da mesma forma, alcança discussões junto ao Poder Judiciário, refere-se à interpretação que algumas entidades de fiscalização do exercício de profissões manifestam ao pretender a exigência de registro cadastral e/ou cobrança de anuidades de pessoas jurídicas que não exercem efetivamente atividades fiscalizadas pelos respectivos conselhos profissionais.
É comum que empresas, principalmente as de menor porte e em início de atuação, façam constar em seu contrato social, além da atividade básica ou preponderante em que se pretende atuar, também algumas outras secundárias. Isso ocorre por diversos fatores, entre eles tratarem-se de atividades meio (ou seja, que servirão apenas como atividades intermediárias para alcançar o seu efetivo objeto social) ou mesmo pelo fato de que, justamente por se tratar de início de atuação, muitas vezes não há uma clara definição do ramo econômico principal.
Diante disso, alguns Conselhos Regionais de fiscalização, como CORE (Conselho Regional dos Representantes Comerciais), CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), etc, ao identificarem a simples citação de atividade fiscalizável, ainda que secundária, por vezes acabam expedindo intimações e/ou lavrando autos de infração exigindo o cadastro na entidade ou cobrando anuidades, agindo assim a partir de uma interpretação desconectada do que prevê a legislação geral e nacional regulamentadora do registro de empresas e profissionais legalmente habilitados nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões.
Trata-se da Lei n. 6.839/1980, a qual, em seu Art. 1°, dispõe expressamente que:
“O registro de empresas e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, delas encarregados, serão obrigatórios nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros“.
Ignorando tal expressa previsão, a corrente interpretativa que os Conselhos de fiscalização adotam em sua maioria, fundamenta-se exclusiva e unilateralmente naquela legislação que regulamente especificamente a profissão do respectivo Conselho, como, por exemplo:
Lei n. 4.886/65 (Regula as atividades dos representantes comerciais autônomos):
Art. 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.
Como se percebe nesse exemplo, a própria lei exige que o desempenho da atividade regulada se dê em caráter não eventual (ou seja, excluindo a caracterização quando ocorrerem atuações esporádicas) e, principalmente, que a atuação se adeque inteiramente à conceituação da profissão/atividade.
No entanto, como já transcrito acima, a lei geral e nacional regulamentadora do registro de empresas e profissionais legalmente habilitados nas entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, somente exige a obrigatoriedade de registro em Conselho Profissional quando a atividade principal desempenhada pela empresa se enquadrar na conceituação específica de cada profissão/atividade. Em outras palavras, a atuação esporádica ou que esteja citada apenas como atividade secundária da empresa em seu contrato social, afasta a pretensão de se exigir registro em Conselho ou pagamento de anuidades ao mesmo.
O Poder Judiciário, atento a estas particularidades, sedimentou ao longo do tempo entendimento reiterado neste sentido, em todos os graus de jurisdição, conforme exemplos a seguir transcritos:
EMENTA: tributário. embargos à execução fiscal. conselho regional dos representantes comerciais do rio grande do sul. cobrança de anuidades. pessoa jurídica. fato gerador. atividade básica não sujeita a inscrição. 1. O exercício de profissão legalmente regulamentada exige, além da habilitação legal, que o profissional esteja inscrito no respectivo Conselho Regional com jurisdição sobre a área onde ocorre o exercício. O vínculo ao órgão e o pagamento de anuidades, portanto, derivam da legislação que impõe a inscrição no conselho como requisito para o exercício da profissão, tanto como profissional liberal ou empregado, quanto como servidor público, nos casos previstos pela lei. 3. Em relação às pessoas jurídicas, porém, o regramento legal é diverso. O registro nas entidades fiscalizadoras do exercício de profissões não é requisito para o exercício da atividade empresarial. O artigo 1º da Lei nº 6.839/80 estabelece a atividade básica desenvolvida ou o serviço prestado a terceiros como critério definidor da obrigatoriedade de registro das empresas nas entidades competentes para a fiscalização. Assim, o fato gerador das anuidades, quanto às pessoas jurídicas, é definido pela atividade básica ou pela natureza dos serviços prestados pela empresa. Também não é devida a anuidade por empresa inativa, já que, obviamente, não mais há o exercício da atividade básica que enseja o registro no conselho. 4. Tendo em vista a natureza dos serviços prestados pela empresa, não se justificam, no caso, o registro e o pagamento das anuidades junto ao Conselho apelante. 5. Vencida na fase recursal, a exequente deve arcar com o pagamento dos honorários recursais, conforme o § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015. (TRF4, AC 5016833-19.2016.4.04.7107, SEGUNDA TURMA, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 04/10/2017)
TRIBUTÁRIO. CONSELHO REGIONAL DE QUÍMICA. REGISTRO. ANUIDADE. INEXIGIBILIDADE. ATIVIDADE BÁSICA NÃO RELACIONADA À QUÍMICA. INDUSTRIALIZAÇÃO DE MADEIRAS LAMINADAS. CONTRATAÇÃO DE PROFISSIONAL DA ÁREA DE QUÍMICA. DESNECESSIDADE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECOLHIDOS INDEVIDAMENTE. SENTENÇA RATIFICADA.
- O fato gerador da obrigação tributária é a prestação de determinada atividade e que, por sua vez, gera igualmente o dever de inscrever-se em Conselho Profissional. Assim, ainda que haja a inscrição em Conselho, não havendo prestação de atividade, não há falar em pagamento de anuidade e contratação de profissional da área afim como responsável técnico.
- O registro das empresas em Conselhos Regionais de Química somente é exigido se a atividade básica é relativa à química.
- No caso, a autora tem como atividade principal a industrialização de madeiras laminadas e de chapas de madeira compensada.
- Os valores cobrados referentes às anuidades e demais encargos decorrentes do registro e do exercício das atividades tidas por afins à fiscalização, devem ser restituídos ao autor com incidência da taxa SELIC, uma vez que recolhidos indevidamente, respeitado o prazo prescricional. (Apelação Cível 5000630-38.2014.404.7014, 2ª Turma, Rel.ª Juíza Federal Carla Evelise Justino Hendges, juntado aos autos em 29/10/2014)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONSELHO REGIONAL DE CLASSE. REGISTRO. ATIVIDADE BÁSICA. – A atividade básica da empresa é que determina sua vinculação a conselho profissional específico. In casu, a atividade básica restringe-se a comercialização e locação de bens específicos, não apresentando ligação com o ramo da engenharia e agronomia. (TRF4, AC 0022333-79.2014.4.04.9999, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, D.E. 28/06/2016)
Em conclusão, portanto, diante da legislação pertinente em vigor, bem como do entendimento jurisprudencial hoje consolidado, manifesta é a improcedência da corrente interpretativa que alguns Conselhos de fiscalização de profissões/atividades ainda insistem em seguir.
Curitiba, novembro de 2024.
DRESCH FILHO & ADVOGADOS ASSOCIADOS
Alessandro Vinicius Pilatti – OAB/PR 30.015