Artigos Postado no dia: 6 novembro, 2023

Teoria do Desvio Produtivo – A perda de tempo útil é indenizável?

No mundo atual, contemporâneo, caracterizado pelas rotinas e pensamentos agitados e compromissos urgentes, quando se fala sobre o “tempo” significa muito mais lidar com a sua escassez do que com a sua abundância. Se tomado como uma espécie de direito, o tempo é componente do próprio direito à vida, já que é nele que concretizamos a nossa cada vez mais atarefada existência. Se é questão de direito, o tempo também é questão de justiça.

 

A Teoria do Desvio Produtivo, trata-se de uma teoria desenvolvida por Marcos Dessaune, autor do livro Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado. São Paulo: RT, 2011.

 

Segundo o referido doutrinador,

 

“O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável.”

 

Em suma, a teoria do desvio produtivo do consumidor é uma abordagem legal que argumenta que quando um consumidor é forçado a gastar tempo e esforço significativos para corrigir um problema com um produto ou serviço defeituoso, ele está experimentando uma perda de tempo útil que deve ser compensada. A constatação do tempo do consumidor como recurso produtivo e da conduta abusiva do fornecedor ao não empregar meios para resolver, em tempo razoável, os problemas originados pelas relações de consumo é que motivou a chamada teoria do desvio produtivo.

 

Contudo, nem todo o tempo desperdiçado é indenizável, conforme propugna Gagliano (2013, p. 31): “deve ficar claro, nesse contexto, que nem toda situação de desperdício do tempo justifica a reação das normas de responsabilidade civil, sob pena de a vítima se converter em algoz, sob o prisma da teoria do abuso de direito”.

 

Assim, em que pese o reconhecimento de que, em dadas circunstâncias, o gasto energético, emocional e psicológico empreendido pelo consumidor em filas, call centers, etc… reflete, de um lado, o descaso dos fornecedores para com seus direitos, e, de outro, perdas que poderiam ser objetivadas através da comprovação de que o consumidor potencialmente realizaria outras atividades produtivas, compreende-se que a teoria do desvio produtivo, se aplicada, deve ser aplicada com critérios.

 

Veja-se que para o reconhecimento da teoria do desvio produtivo como pretendido, é necessário que se comprove, ainda que minimamente, de que forma o fato ou a perda de tempo dele decorrente prejudicou as atividades cotidianas da parte (trabalho, rotina familiar, estudo, atividades de lazer, etc.), ferindo seus direitos personalíssimos.

 

Em razão de envolver a adoção de um conceito jurídico indeterminado sobre o qual ainda não há nenhum acordo semântico – a denominada “perda do tempo útil” -, eventual aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor exige cautela e parcimônia, sob pena de causar indesejada insegurança jurídica.

 

Nesse sentido, vem sendo formado o entendimento do TJPR:

 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO PELO PROCEDIMENTO COMUM – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – ACOLHIMENTO DO PEDIDO EXIBITÓRIO E REJEIÇÃO DO PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INSURGÊNCIA DA AUTORA. 1. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ALEGAÇÃO BASEADA NA TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR – INSUBSISTÊNCIA – REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO DE ENVIO DOS CONTRATOS ATENDIDO EM TEMPO RAZOÁVEL – NÃO IDENTIFICAÇÃO DE OBSTÁCULOS OU TRANSCURSO DE TEMPO EXCESSIVAMENTE LONGO AO ATENDIMENTO DA SOLICITAÇÃO ADMINISTRATIVA – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE LESÃO AO TEMPO ÚTIL DA CONSUMIDORA – PRECEDENTES – REPARAÇÃO INDEVIDA – SENTENÇA MANTIDA NESSE CAPÍTULO. 2. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REEXAME DE OFÍCIO, PORQUANTO SE TRATA DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – EQUÍVOCO SENTENCIAL QUANTO À SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL, JÁ QUE ENCAMINHADOS OS CONTRATOS AO EMAIL PESSOAL DA AUTORA (FATO INCONTROVERSO), MUITO EMBORA PEDIDO DE REMESSA AO EMAIL DO ADVOGADO – INEXISTÊNCIA TAMBÉM DE LITIGIOSIDADE RELATIVAMENTE AO PLEITO EXIBITÓRIO – DESCABIMENTO DE HONORÁRIOS EM TAL HIPÓTESE – SUCUMBÊNCIA INTEGRAL DA AUTORA – RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS CUSTAS E HONORÁRIOS, ORA FIXADOS EM 10% SOBRE O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA, OBSERVADA A GRATUIDADE DE JUSTIÇA – RECURSO DESPROVIDO, COM CORREÇÃO PONTUAL, DE OFÍCIO, DA SENTENÇA. (TJPR – 14ª Câmara Cível – 0027020-10.2021.8.16.0001 – Curitiba –  Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR –  J. 07.08.2023).

 

RECURSO INOMINADO. BANCÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA PELA INTERNET CANCELADA. ESTORNO DO VALOR TOTAL NAS FATURAS DO CARTÃO DE CRÉDITO. PARCELAS QUE CONTINUARAM A SER COBRADAS. REGULARIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA DA FALHA DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TEORIA DO DESVIO PRODUTIVO. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR – 1ª Turma Recursal – 0021751-33.2021.8.16.0019 – Ponta Grossa –  Rel.: JUÍZA DE DIREITO DE COMARCA DE ENTRÂNCIA FINAL BRUNA RICHA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE –  J. 03.07.2023)

 

Desta forma, observa-se pelos julgados do TJPR que a tese do Desvio Produtivo do consumidor está sendo bem adotada, com cautela, observando- se sempre o Princípio do enriquecimento sem causa, de forma que a Tese do Desvio Produtivo do Consumidor não te torne algo banal, corriqueiro nos pedidos que não tenham fundamento.

 

Conclui-se então, que a perda de tempo útil e o desvio produtivo do consumidor somente serão causas exclusivas de indenização por danos morais se houver efetiva comprovação de injustificada resistência do fornecedor, qualificada pela reverberação no cotidiano do consumidor, de modo a acarretar manifesto prejuízo.

 

 

Por Danielle Gonçalves Penhabel, OAB/PR 81.152


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