I – O CONTEXTO DA REFORMA TRIBUTÁRIA
Em 15 de dezembro de 2023, o Congresso Nacional aprovou a PEC n. 45/19, a qual implementa uma reforma da tributação sobre o consumo e altera pontos específicos da tributação sobre o patrimônio.
Ao longo das últimas décadas, o intrincado sistema fiscal brasileiro tem sido motivo de preocupação, destacando-se como um dos mais complexos do mundo, na medida que é composto de diversas leis de natureza federal, leis de 27 Estados e leis de mais de 5.000 Municípios além de possuir uma carga tributária sobre o consumo que representa aproximadamente 13,5% do PIB.
É a partir deste cenário que exsurge a chamada Reforma Tributária, cujo cerne, ao menos na propalada intenção, concentra-se na suposta simplificação do sistema tributário, na mitigação de controvérsias fiscais e na distribuição mais equitativa da carga tributária.
A própria Emenda Constitucional relega à legislação infraconstitucional a regulamentação de diversos pontos não disciplinados de maneira detalhada na mesma, como por exemplo a fixação de alíquotas, funcionamento dos Fundos de Desenvolvimento Regional, de compensação de Benefícios Fiscais, de restituição dos saldos credores dos tributos que serão extintos e a definição de instrumentos de ajustes nos contratos firmados anteriormente à entrada em vigor das leis instituidoras dos novos tributos, entre outros diversos assuntos.
Não obstante, a partir do novo texto constitucional, é possível elencar as principais mudanças no sistema tributário, o que se fará a seguir, sem pretensão de esgotar cada ponto, devido à sua amplitude e ainda pendência de regulamentação.
II – IMPOSTO SOBRE VALOR AGREGADO – IVA
Um dos pilares da reforma é a criação de uma tributação sobre o valor agregado, nos moldes de Imposto sobre Valor Agregado – IVA, que aglutina e extingue diversos tributos sobre o consumo, sendo eles o ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI, consolidando-os em três novos tributos: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) repartido entre estados e municípios, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e o IS (Imposto Seletivo), estes últimos de natureza federal.
II.1 – CBS e IBS
A CBS e o IBS, que serão instituídos pela mesma lei complementar, terão os mesmos fatos geradores, bases de cálculo, hipóteses de incidência e sujeitos passivos; regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, regras de não cumulatividade e de creditamento, sendo que a alíquota do IBS poderá variar por ente federado.
Possuirá como princípios: (i) base ampla, alcançando operações e importações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, ou com serviços (supostamente sem exceções que possam gerar disputas tributárias); (ii) não cumulatividade plena a partir da compensação automática e imediata do tributo cobrado sobre as operações nas quais o contribuinte seja adquirente de bens, direitos ou serviços (crédito financeiro sobre o valor destacado nas notas fiscais) (destaca-se que a legislação complementar disporá sobre o regime de compensação, inclusive hipóteses em que não haja recolhimento pela cadeia anterior); e (iii) tributação no destino, em substituição à mista atual, visando com isso afastar a “guerra fiscal” entre os estados e municípios.
Tanto a CBS quanto o IBS serão tributados “por fora”, de modo que ambas não integrarão suas próprias bases de cálculo ou uma da outra, ao mesmo tempo em que exclui da base de cálculo a Contribuição sobre faturamento/receita, a Contribuição sobre importação de bens e serviços, e o PIS/PASEP, enquanto vigentes, amoldando-se, assim, ao princípio da transparência tributária (art. 150, §5º da CF) e não permite transferir o encargo financeiro do imposto ao consumidor final, por via do fenômeno da repercussão econômica.
Quanto às alíquotas, como dito, serão estabelecidas pela vindoura legislação complementar. No entanto, há previsão expressa de que o Senado fixará, para todas as esferas federativas, as alíquotas de referência da IBS e do CBS, para assegurar a manutenção do nível de arrecadação durante e após a transição. Ainda, há disposição prevendo que a alíquota de referência da CBS e do IBS serão reduzidas caso excedam o Teto de Referência da arrecadação, o qual é medido pela média do nível de participação no PIB, entre 2012 e 2021, dos tributos extintos, como forma de evitar o aumento da carga tributária.
Regimes específicos da CBS e do IBS somente são autorizados, a partir de lei complementar, para combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos, sociedades cooperativas (regime optativo), serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e de turismo, bares e restaurantes, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol e aviação regional, operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário.
II.2 – IS (IMPOSTO SELETIVO)
O imposto seletivo (IS) incidirá sobre bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a partir do que for definido na legislação complementar. Não incidirá sobre operações com energia elétrica e com telecomunicações; será cobrado uma única vez por bem/serviço e não integrará a sua própria base de cálculo, porém integrará a base do IBS e CBS, com como do ISS e ICMS, enquanto vigentes.
A introdução do IS, ainda que pendente da legislação complementar, levanta questionamentos sobre sua eficácia, dado o caráter genérico da classificação de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A ausência de previsão para o uso do princípio da seletividade na dosimetria das alíquotas e a destinação das receitas geram incertezas sobre a sua eficácia, quando comparadas com as próprias premissas da Reforma (simplificação e racionalização do sistema).
II.3 – REGIME DE TRANSIÇÃO
É previsto um regime de transição entre o atual sistema e o novo, que durará por 07 anos, e funcionará da seguinte forma:
2026: A CBS terá uma alíquota de 0,9% e o IBS de 0,1%, sendo ambas compensáveis com o PIS/COFINS. A lei complementar poderá prever que os contribuintes que cumpram com as obrigações acessórias do IBS e da CBS sejam dispensados do recolhimento.
2027: Vigência plena da CBS, cobrança do IS, e extinção do PIS/COFINS. O IPI será reduzido a zero para todos os produtos que não tenham industrialização incentivada na ZFM.
2027 e 2028: Redução da CBS em 0,1%, e aumento das alíquotas estaduais e municipais do IBS em 0,05%;
2029 a 2032: aumento proporcional do IBS e extinção proporcional do ICMS e do ISS;
2033: O novo sistema passa a viger integralmente, extinguindo-se o antigo.
III – SIMPLES NACIONAL
O sistema de arrecadação unificado do Simples Nacional foi mantido pela Emenda Constitucional da Reforma. A mesma, todavia, permite que o contribuinte inscrito no Simples possa optar pela inclusão ou não do IBS e da CBS (IVA-Dual) nos tributos passíveis de recolhimento por esse regime. Caso opte pela exclusão do IVA-Dual do regime do Simples, o micro e pequeno empreendedor não poderá se apropriar dos créditos decorrentes da aquisição de mercadorias e serviços, mas poderá repassar tais créditos correspondentes aos adquirentes, ou seja, a outro contribuinte optante do regime geral de recolhimento do IVA-Dual.
Também para o Simples Nacional, a operacionalização das medidas ocorrerá na legislação complementar a ser editada, sendo que será necessário ao contribuinte inscrito no Simples Nacional avaliar contábil e financeiramente se será conveniente manter-se no regramento atual, adotar o regramento misto, ou até mesmo optar pela saída do Simples para aderir ao novo Regime Geral.
IV – ITCMD
Acerca do ITCMD (Imposto sobre transmissão causa mortis e doação), o texto da Reforma Tributária promoveu algumas alterações. Atualmente, há uma alíquota máxima de 8%, fixada pelo Senado Federal. Todavia, com a alteração aplicada ao Art. 155, §1º da CF/88, passa a haver a determinação de que o imposto será progressivo em razão do valor da transmissão ou doação, de modo que os Estados que não preveem em sua legislação tal progressividade, deverão alterá-las para acompanhar o texto constitucional.
Outro ponto foi a modificação da competência do ITCMD-causa mortis para o Estado do domicílio do falecido, em substituição à regra atual na qual a competência é do Estado onde se processa o inventário (o que gerava conflitos entre Estados, ambos exigindo o imposto, quando o inventário era processado em Estado diferente daquele em que era domiciliado o falecido).
Por fim, também restou estabelecido que nas heranças com bens situados no exterior, a competência será do Estado onde era domiciliado o falecido ou, caso domiciliado no exterior, onde tiver domicílio o herdeiro.
V – IPVA
No contexto do IPVA (Imposto sobre propriedade de veículo automotor), o novo texto constitucional passou a prever sua incidência sobre embarcações e aeronaves (havendo exceção concedida às companhias aéreas certificadas para prestação de serviços a terceiros).
Ademais, também em relação aos demais veículos, será progressivo em relação ao potencial de poluição do meio ambiente.
VI – OS PRÓXIMOS PASSOS
Em síntese, a Reforma Tributária busca reconfigurar o sistema fiscal brasileiro, tendo como intenção manifestada a uma suposta simplificação, mitigação de controvérsias e distribuição mais equitativa da carga tributária.
Não obstante ao próprio regime de transição deveras alongado (período no qual os contribuintes terão de conviver com o novo sistema e o antigo, conjuntamente), o que por si só já põe em dúvida a suposta simplificação, espera-se que os projetos de leis complementares a serem enviados pelo Poder Executivo tenham uma redação clara e assertiva para evitar questionamentos e margem para complexidades interpretativas que possam gerar contencioso, cuidando ainda para que não haja real aumento da já elevadíssima carga tributária brasileira.
Curitiba, janeiro de 2024.
DRESCH FILHO & ADVOGADOS ASSOCIADOS
Alessandro Vinicius Pilatti – OAB/PR 30.015